top of page

Saber sair de adversidades

  • Foto do escritor: Zalmir Silvino Cubas
    Zalmir Silvino Cubas
  • 20 de abr. de 2021
  • 6 min de leitura

Não importa o quanto você é competente e dedicado, você passará por crises em seu trabalho: sentirá vontade de chorar, pensará em desistir, poderá até duvidar de suas convicções e competências. Esse sentimento de impotência poderá crescer e colocar em risco seus planos de vida. Não permita que as dificuldades destruam seus sonhos. Você precisa se antecipar às adversidades e preparar-se para enfrentá-las. É questão de sobrevivência.


É compreensível que as adversidades abalem nossas emoções, mas o que não podemos permitir é que a tristeza momentânea dure mais que 0 tempo aceitável. A comoção duradoura leva a mente a estados de desânimo e desmotivação. Já que estamos cientes de que frustrações e fracassos fazem parte do crescimento profissional, é prudente que aprendamos a lidar com essas situações antes que elas surjam.


Os profissionais da área médico-hospitalar, particularmente os médicos, os paramédicos, os enfermeiros e os médicos veterinários estão sujeitos a grande pressão emocional por conta da convivência diária com seus pacientes. Afetam também as emoções dos clínicos, o relacionamento conflituoso com os tutores e, às vezes, com colegas de trabalho. O ambiente hospitalar gera uma cobrança constante quanto ao desempenho do médico veterinário. A jornada de trabalho é normalmente longa e o trabalho é desgastante. Assim, erros e conflitos podem acontecer com mais frequência do que em outros locais de trabalho.



Em situações de conflito, os profissionais podem perder a confiança e a motivação. Isso é perigoso, pois criar-se um ciclo de insucessos, em que reveses geram inseguranças e o estado mental alterado conduz a mais fracassos. O trabalho em muitas clínicas e hospitais veterinários no Brasil não tem nada a ver com o glamour do trabalho em clínicas veterinárias nos Estados Unidos, mostrado em programas do Animal Planet. A vida real por aqui é bem mais complicada. Os médicos veterinários brasileiros precisam ter nervos de aço para encarar as dificuldades diárias.


O Sistema Único de Saúde (SUS) aponta uma realidade alarmante: os médicos veterinários são os profissionais que apresentam o maior risco de suicídio! Temos uma taxa de suicídio dez vezes maior na classe veterinária em relação à população em geral (Sistema CFMV/CRMV). As causas principais são a síndrome de burnout, ou seja, o trabalho excessivo e muitas vezes mal remunerado que leva à exaustão emocional; e também a fadiga por compaixão, que é decorrente da empatia do clínico veterinário por seus pacientes e tutores. Não podemos esquecer da questão financeira, que sempre preocupa e tira o sono do médico veterinário que é empreendedor.


Alguns jovens entram no curso de medicina veterinária com a falsa crença de que a profissão os levará a uma vida de sonhos, que viverão entre animais sadios e brincalhões. Sabemos que a realidade não é bem essa. Na faculdade se exalta o sucesso terapêutico, o que é compreensível, pois é o que se busca. Mas o que deu errado não é normalmente relatado. É bem provável que nós, mestres, nos sintamos vulneráveis ou diminuídos ao expor nossas frustradas experiências profissionais. O jovem sai da faculdade então despreparado para lidar com os impactos emocionais decorrentes da convivência com doenças, dor, sofrimento, sequela, morte, erro médico e fracasso terapêutico.


Ao longo de minha vida de clínico veterinário tive momentos em que me senti desalentado. Isso costumava ocorrer depois da morte de um paciente considerado especial. Não que devamos tratar de maneira desigual os pacientes, mas há casos clínicos e animais que mexem mais com nossas emoções, seja pelo vínculo afetivo que criamos com o paciente seja pelo desfecho desfavorável do caso. Pior ainda é quando depois da morte de um paciente passamos a identificar possíveis atos de imperícia e imprudência em nossa conduta médica (reais ou imaginados). Criamos na mente um tribunal do júri. Colocamo-nos na posição de réu, promotor, advogado, júri e juiz de nós mesmos. Na maioria das vezes o veredito é o mesmo: a auto condenação e o sentimento de culpa. Esse é um quadro muito comum em nosso meio, que gera angústia, medo, frustração, desmotivação e depressão. Agir assim é péssimo para nossa saúde física e mental.


Não podemos negar que o trabalho do médico veterinário é recompensado com momentos de alegria, quando pacientes e tutores saem felizes do consultório. Os estudantes precisam entender que estão se preparando para atuarem em momentos de crises. Em outras áreas da medicina veterinária, que não a clínica médico-cirúrgica, as preocupações são diferentes, mas as adversidades no trabalho também ocorrem. Portanto, os conselhos seguintes servem não somente para os clínicos, mas para os profissionais de todas as áreas, pois não há quem não passe por conflitos no trabalho. Então, como podemos nos preservar? Vão aí algumas dicas.


(1) Nos momentos difíceis, reflita sobre sua trajetória profissional, suas perspectivas e a contribuição que você pode dar ao seu trabalho e a sua profissão. Um acontecimento, por mais lamentável que seja, não pode ser maior que sua missão de vida. Você precisa manter sua autoestima e autoconfiança.

(2) Aprenda e tire experiências dos acontecimentos. Estude o caso, pesquise e pense no que você irá fazer diferente na próxima vez. Isso mudará sua perspectiva quanto aos acontecimentos, saindo de um padrão mental fixo de lamentar pelo ocorrido e adotando uma atitude mental de crescimento. Pense que seus mestres evoluíram assim. Espelhe-se neles.


(3) Converse com pessoas de sua confiança sobre seu estado emocional e as dificuldades pelas quais está passando. Se você for estudante, procure um professor ou um orientador para buscar conselhos. Pessoas de mais idade podem compartilhar suas experiências de vida, e isso será confortador, pois você sentirá que seus mestres também passaram por momentos difíceis na vida profissional.


(4) Procure fazer uma autoanálise. Perceba alterações em seu comportamento no ambiente de trabalho, na faculdade, em casa e nas relações com os amigos e outros entes queridos. Avalie se há em você sintomas indicativos de desequilíbrio físico e mental, como ansiedade, medo, insônia, tristeza, cansaço, dor de cabeça, dor no corpo, falta de apetite, isolamento social, alteração de humor, irritabilidade, frustração, insegurança, apatia, perda de libido e outros sinais. Não banque o forte e autossuficiente. Procure auxílio médico. Você pode estar experimentando a síndrome de burnout ou o início de um quadro depressivo.


(5) Ocupe seu tempo livre com atividades físicas e esportivas. Essas práticas trazem sensações de bem-estar físico e mental e seus benefícios à saúde não podem ser ignorados. Se é de seu gosto, permita-se atividades recreativas ou hobbies, se possível interagindo com outras pessoas e junto à natureza. O isolamento pode não ser recomendável nesses momentos de baixa autoestima. Se a religiosidade lhe acalma, busque praticar sua fé com orações e meditações. Afaste os pensamentos depreciativos. Você precisa priorizar o equilíbrio mental nos momentos difíceis da vida.


(6) Antecipe-se às crises. Leia sobre temas relacionados ao autoconhecimento, isso o preparará para lidar com as adversidades. Pesquise bons livros que merecem leitura.


(7) O médico veterinário deve ter uma postura respeitosa, gentil e dedicada perante seus pacientes, tutores e colegas de trabalho. Isso evita desgastes emocionais, conflitos e crises. Procure integrar as pessoas no ambiente de trabalho, não espere que isso aconteça por acaso. Eu recomendo que sejam incentivadas reuniões informais durante o café da manhã ou o lanche da tarde, de modo a aproximar os membros da equipe.


(8) Evite o vínculo emocional com seus pacientes. Não que tenhamos que ser insensíveis, não tem como deixar de lado os sentimentos, mas o envolvimento emocional leva a erros e frustrações. Vejo estudantes e até mesmo profissionais postando nas redes sociais vídeos de apego a seus pacientes. Precisamos ter cuidado com isso. Tomara que sejam apenas vídeos de demonstração de carinho e não de apego.


(9) As faculdades precisam preparar os estudantes para lidar com as crises na profissão e com os erros médicos. Isso precisa ser feito com uma metodologia científica e por especialistas no assunto.


Temos que ter consciência de que somos profissionais em constante aprimoramento. O médico veterinário tem a obrigação de fazer seu trabalho com ética, dedicação e responsabilidade, empregando o raciocínio clínico, as técnicas mais atualizadas, a destreza nos procedimentos e o uso de equipamentos, instrumentos e tecnologias adequadas. Obviamente, não temos controle sobre a vida. Curar e salvar são possibilidades, não garantias. Precisamos compreender nossas limitações.


Somos apaixonados por nossa profissão e tudo o que queremos é poder exercê-la com dignidade, respeito e reconhecimento.


Comments


2020 Zalmir Silvino Cubas - Vida Selvagem

bottom of page